Pela estrada amaldiçoada
Vinte e cinco quilómetros de pouca brita e pouco alcatrão e mais de 150 curvas separam Pinhel de Figueira de Castelo Rodrigo pela ER 221. Também conhecida por "Excomungada", esta estrada perigosa ganhou má fama na década de 70. Mas nem por isso é hoje menos utilizada.
Longe de ser uma viagem agradável ou descontraída, embora a paisagem a isso convide, a passagem pela Estrada Regional (ER) 221, mais conhecida por "excomungada", que liga Pinhel a Figueira de Castelo Rodrigo, «requer sete olhos e um alerta constante». Quem o garante é Carlos Coelho, de 27 anos, funcionário bancário em Pinhel e utente diário da estrada amaldiçoada. Residente em Figueira de Castelo Rodrigo, Carlos Coelho chega a transitar na "Excomungada" quatro vezes ao dia. Medo não sente mas reconhece que há receio quando o Inverno se aproxima «uma vez que a estrada é sombria e o gelo não ajuda, o mínimo descuido pode ser fatal e as protecções laterais são um bem raro, já para não falar na pouca brita e no quase inexistente alcatrão», garante. Mesmo assim, pode considerar-se um felizardo, pois, apesar de já ter apanhado alguns sustos, o que é certo é que até hoje nunca teve problemas em atravessar a ER 221. Já assistiu contudo a acidentes naquela estrada. Carlos Coelho recorda uma manhã em que o condutor que seguia à sua frente foi embater contra a barreira de protecção. «Por sorte teve reflexos, caso contrário ia ribanceira abaixo.» Inclusivamente a mesma situação viria a suceder à sua esposa, em noite chuvosa de Inverno, mas felizmente do incidente apenas resultaria «um pouco de chapa amolgada». Mas o que torna verdadeiramente complicada a circulação naquela estrada são os camiões pesados que diariamente utilizam a "Excomungada" para o transporte de pedra, máquinas e alcatrão. E aqui o problema nem chega a ser o da ultrapassagem difícil dado a via ser tortuosa e estreita. Segundo Carlos Coelho, o maior susto que já apanhou foi o de uma curva encoberta por vegetação. A sorte esteve do seu lado ao avistar o veículo pesado «lá longe» e abrandou. «Ainda bem que o fiz porque o camião fez a curva ocupando por completo a via onde eu circulava», recorda.
A situação poderá ser mais grave ainda quando os veículos pesados circulam sem carga. Carlos Coelho garante que os camionistas «conduzem a uma velocidade alucinante», o que muitas vezes se traduz, para os condutores que se cruzam com eles na estrada, num «entrar na valeta» obrigatório. Tudo isto numa estrada onde em apenas vinte e cinco quilómetros existem cerca de 150 curvas, na sua maioria sem visibilidade, e onde os "rails" de protecção são escassos. Trata-se de um circuito onde proliferam as ribanceiras e onde os precipícios alertam para a profundeza do longo vale do Côa.
Alternativas precisam-se
A alternativa, via Almeida, pressupõe um acrescento de mais de vinte quilómetros e de mais meia hora de caminho. «É o dobro do caminho, o dobro do desgaste, o dobro do combustível e o dobro do tempo», garante Carlos Coelho. Talvez por isso, a "Excomungada" continue a ser a mais requisitada por todos quantos vivem em Pinhel e trabalham em Figueira, ou vice versa. Mesmo assim, apesar da "Excomungada" ser utilizada por centenas de utentes diariamente e ser também a única via que une Pinhel a Figueira de Castelo Rodrigo, não é conhecido qualquer projecto para a sua recuperação a curto prazo.
Armando Pinto Lopes, presidente da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, ainda tentou há cerca de um ano, através de um ofício dirigido a Jorge Coelho, ministro do Equipamento Social, com que a "Excomungada" fosse recuperada, mas como resposta obteve um «não é considerada prioritária». Já o troço que faz a ligação de Barca D'Alva a Figueira, foi considerada pelo ministro como estando «em quinto lugar na lista de prioridade das estradas dos distrito da Guarda». O projecto deste troço da ER 221 até já «está concluído há mais de dois anos», recorda o autarca de Figueira, e é também há dois anos que a autarquia aguarda por luz verde do governo para que seja aberto o concurso da obra. A única solução apontada pelo autarca em alternativa à "Excomungada" passaria pela «construção de uma outra via, aproveitando o troço de Pinhel a Vale de Madeira [actualmente em boas condições], fazendo o arranjo depois de Vale de Madeira até ao Côa, seguindo depois por Cinco Vilas, em direcção à Reigada até Figueira». No entanto, o autarca reconhece que este novo traçado exigiria a construção de uma nova ponte sobre o Côa, o que poderá dificultar a viabilidade económica da construção. Mas se este traçado fosse avante, «a Excomungada" - o nome diz tudo - ficaria apenas como uma estrada de passeio, para apreciar a beleza paisagística» e apagar o passado negro do itinerário. Até porque, sustenta Armando Pinto Lopes, «são raras as curvas da malfadada estrada que não têm uma estória fatídica de acidentes». O autarca recorda uma viagem que fez para Pinhel, com o antigo motorista da Câmara. «Lembro-me que ele era capaz de referir em quase todas as curvas os nomes das pessoas que aí tinham sofrido acidentes, alguns deles fatais». Uma estória que ainda é mais negra quando se recua à década de 70, altura em que a Excomungada ainda não sofrera obras de alargamento. «Não se cruzavam sequer dois autocarros», recorda o autarca.
Já no entender de António Cavalheiro, presidente da Câmara Municipal de Pinhel, «hoje em dia há pouca gente a ir pela Excomungada, a maior parte prefere ir por Almeida porque apesar da distância ser maior, a estrada é mais segura». Mesmo assim, o autarca defende a sua recuperação, embora reconheça que existem outras ainda mais prioritárias para o concelho, é o caso do troço «Pinhel - Guarda e do troço Pinhel - Vila Franca das Naves». [Terras da Beira - 05/10/00]